Por que a tabela de fretes não foi boa para ninguém?
Depois de pouco mais de um ano após a intensa greve dos caminhoneiros autônomos, que aconteceu em maio do ano passado, é possível verificar que a tabela de fretes, como já era esperado, não funcionou na prática. De fato, os resultados da implantação da tabela foram ruins para todos os envolvidos no processo.
Já era esperado, desde a sua implantação, que o tabelamento não funcionaria. É possível verificar as vezes que esse modelo de controle de preço foi tentado em diversos setores pelo mundo e até mesmo no Brasil (vide plano Sarney), que as iniciativas acabam fracassando. Os motivos são simples e lógicos, se o preço está tabelado acima do valor de mercado, os produtores vão querer produzir mais para lucrar, mas os consumidores vão querer consumir menos, e procurar produtos substitutos, isso leva os produtores a tentarem burlar a lei e vender mais barato. Por outro lado, se o preço for tabelado abaixo do preço de mercado, os produtores param de produzir, para não tomar prejuízos, e os consumidores aumentam o consumo, levando a escassez dos produtos, e nesse caso, pode levar os produtores a cobrarem ágio pelo produto.
Na situação atual do transporte no Brasil, os caminhoneiros reclamam que as empresas não estão pagando o valor mínimo e que tem que aceitar valores abaixo da tabela; as empresas dizem não ter condições de pagar pois o valor está acima do mercado; o governo se vê perdido nesse meio, numa tentativa de agradar a todos e não agrada a ninguém; e no final das contas, quem é o mais prejudicado é o consumidor.
Vamos analisar por todas as óticas, os motivos do tabelamento dos preços de frete não ter sido bom para nenhum dos envolvidos.
Governo
Desde o momento que o governo decidiu acatar as reivindicações e criar a tabela, uma sucessão de erros foi acontecendo. Vários modelos de tabelas tiveram que ser feitos até se chegar o modelo ideal, cada vez que um era apresentado, a chuva de críticas fazia o governo voltar atrás e procurar um novo modelo. Em uma das primeiras versões apresentadas, erros básicos como tipo de carga, diferença de condições regionais de estrutura de estradas e mesmo questões de origem/destino de cargas não foram levados em consideração.
De acordo com a lei aprovada a tabela deve ser revista todos os anos entre os meses de janeiro e julho, e caso o diesel tenha uma alta superior a 10% outra revisão pode ser feita. A tabela vigente foi aprovada com 23/04 (em 2019 duas revisões já foram feitas, uma em janeiro e essa última em abril).
E com isso vem o outro detalhe importante, que é a questão do tabelamento também do preço do combustível. O governo Temer anunciou que iria segurar os ajustes do diesel por 6 meses e depois voltaria a flutuar. Após assumir, o novo presidente, Jair Bolsonaro, afirmou que a política seria flutuante, pois os preços dependem do mercado internacional. No primeiro sinal de subida demasiada do Diesel em uma canetada foi suspenso o aumento, e agora o preço não é mais tão flutuante assim.
O resultado desses dois pontos foi que o governo ficou refém da classe dos caminhoneiros. Qualquer decisão que precise ser tomada, sempre leva em consideração a possibilidade de greve novamente dos motoristas.
Caminhoneiros autônomos
Para os autônomos a situação é um pouco complicada. Eles tiveram sua demanda atendida, mas agora enfrentam dificuldade em conseguir trabalhos que paguem o valor efetivo do frete, que foi tabelado acima do valor que era praticado no mercado. Ainda estão correndo o risco de serem substituídos por frotas próprias das empresas e outros modais de transporte.
E para piorar, uma pesquisa revelada em junho pela empresa Ticket Log mostra que o valor médio do diesel está 5% maior do que no período pré-greve, ou seja, os motoristas estão tendo que desembolsar mais para transportar.
Transportadoras/Embarcadores
No caso dos embarcadores e dos transportadores, o tabelamento de fretes definiu a necessidade de revisão de cálculos. Para empresas que precisavam transportar cargas de menor valor agregado, como itens de reciclagem por exemplo, onde o custo do transporte chega a 30% das despesas totais, o impacto da tabela de fretes foi grande. Em casos de empresas que aproveitavam para utilizar veículos que voltariam vazios, com o chamado frete retorno, agora não é mais possível, legalmente, fazer. A ordem do dia para essas empresas é procurar alternativas para otimização da malha, redução de custos, possibilidade de uso de outros modais, além da análise de viabilidade de frota própria.
Essa semana a Fenabrave revelou que a venda de caminhões no primeiro semestre de 2019 já é quase 50% maior que no mesmo período do ano passado. A expectativa dos fabricantes é de que no acumulado do ano, fique em torno de 18%. Isso é apenas uma continuação do forte aumento que começou no segundo semestre de 2018, onde os transportadores e embarcadores aumentaram seus investimentos em frota própria. A cada dia vemos notícias de transportadoras e embarcadores que realizaram um investimento significativo em novos veículos.
Consumidor
Quando os custos aumentam, quem é que paga a conta? No fim de tudo, o mais prejudicado por toda essa briga é o consumidor, que precisará pagar mais caro pelos produtos que ele consome. A inflação acumulada dos últimos 12 meses está em torno de 3,4%, o que não é um valor tão alto, mas poderia ser ainda menor sem essa confusão toda.
E os consumidores ainda sofrem com a tensão de estarem sempre ameaçados de acontecer uma nova greve dos caminhoneiros. Apesar de terem apoiado o movimento no ano passado, hoje a população não está animada com possibilidades de novas greves. Os impactos nos preços de itens essenciais foram muito fortes, e as dificuldades geradas pela greve ainda são facilmente lembradas.
Concorrentes/Substitutos
No início do texto, afirmei que a situação tinha piorado para todos os envolvidos, mas na realidade, tem dois setores que estão vibrando até hoje com a greve, o setor ferroviário e o setor de cabotagem. Esses sim, tem motivos de sobra para soltar foguetes e até incentivar novas greves e tabelas de frete rodoviário ainda mais altas.
Em torno de 65% do que é produzido no país é transportado por meio de caminhões. A paralisação desse modal, e a consequente subida do preço com o tabelamento fez com que os embarcadores passassem a analisar a possibilidade de envio usando outros modais. Isso impulsionou as empresas desses setores e o resultado é mostrado pelos números.
Em 2018 a cabotagem cresceu cerca de 25%. A empresa Aliança Logística, um dos maiores players de cabotagem no país divulgou um crescimento de 28% no volume embarcado no segundo semestre de 2018 em comparação com o primeiro. Diversos tipos de produtos foram transportados pela primeira vez pela empresa nesse modal, mesmo estando no mercado há 20 anos. Na mesma batida, em maio, a empresa Mercosul Line, em parceria com os portos de Suape e Santos, anunciou uma linha expressa entre os dois portos, reduzindo o tempo de viagem de 8 para 3 dias.
Já no caso das ferrovias, o volume de containers transportados por trilhos aumentou 15% no ano passado, e o volume geral de cargas transportadas aumentou 5,8%. No primeiro trimestre de 2019, a Rumo, que responde por cerca de 80% do transporte de containers por ferrovias no país, reportou crescimento de cerca de 24% no volume transportado. Esse movimento motivou a empresa a lançar a primeira operação double-stack no país, que é um vagão com capacidade de transportar dois containers empilhados. A empresa espera que o volume continue crescendo em torno de 20% nesse ano.
Ou seja, parte do volume que seria transportado por caminhões descobriu que é possível também viajar por outros modais pelo Brasil. E a tendência é esse volume continuar crescendo.
Conclusão
Apesar da situação estar complicada pelos players envolvidos diretamente no transporte rodoviário, a saída tem uma solução simples de ser pensada, mas de difícil aplicação na prática e que não acontece de um dia para o outro. O problema que gerou a greve é o baixo valor pago para os motoristas, isso ocorreu devido a alta oferta de caminhões no mercado, consequência da desaceleração da economia que reduziu a demanda por transporte nas empresas (há também um fator de oferta excessiva de crédito subsidiado para compra de caminhões no início década, que inflou artificialmente a demanda por caminhões, aumentando a frota disponível, mas não vou me alongar sobre esse detalhe).
Portanto, para que a situação normalize, é necessário que o país volte a crescer, as empresas voltem a vender e produzir muito, pois aí consequentemente precisarão novamente expandir sua demanda por transportes. O governo precisa buscar a desburocratização, simplificação e redução tributária, readequação das suas contas, e principalmente oferecer um ambiente seguro para os investidores, sem mudanças de legislação a todo o momento. O governo mais ajuda quando ele deixa de atrapalhar quem pode produzir e gerar empregos e crescimento.
No momento que a demanda por transporte se aquecer, os próprios autônomos serão contrários a uma tabela que limita as possibilidades de ganho deles. Quando esse momento chegar, o governo deve retirar a tabela de fretes e deixar o mercado ser o responsável pela definição dos preços justos de transportes.
E como último ponto, gostaria de frisar que a substituição do modal rodoviário para ferroviário e cabotagem é muito benéfico para o país no longo prazo. Para grandes distâncias esses modais são mais eficientes e mais econômicos. Além disso, contribuem para reduzir o já caótico tráfego nas estradas brasileiras. Por último, mas não menos importante, são meios de transportes mais sustentáveis, que emitem menos poluentes, o que melhora a qualidade de vida da população.
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